O guerreiro
deve ter feito algum movimento brusco durante o sono, pois foi o guincho de um
rato assustado que o trouxe de volta à consciência.
A escuridão
naquela câmara de torturas era absoluta e, com tantos restos pelo chão, parecia
impossível dar mais que dois passos sem tropeçar. Com uma paciência fortalecida
em inúmeras noites de sentinela e mais outras tantas batalhas, Kalil começou a
vasculhas as trevas, tateando no ar e caminhando a passo incerto. Era uma
experiência frustrante, a escada poderia estar a menos de um palmo de suas mãos
e, para todos os efeitos, era como se ela não existisse.
Depois de
algum tempo procurando a esmo, o soldado decidiu usar um padrão em sua busca,
tentando acompanhar as paredes, tocando-as para obter pontos de referência,
sondando o perímetro para localizar-se e, assim, traçar uma rota até a escada.
O espaço era
relativamente pequeno, Kalil não demorou mais que vinte minutos para encontrar
a saída. Mas, durante todo esse tempo, seu cérebro, cego e febril, travou
conhecimento íntimo com a rocha áspera, o osso afiado, os sons fugidios, os
tropeções, guinchos e baques surdos. E a mente, assim alimentada, produziu
delírios e pesadelos que apenas a férrea vontade de viver do guerreiro seria
capaz de abafar.
Quando
finalmente conseguiu atingir o topo da escada, o soldado percebeu que a tampa
de madeira e a laje, embora pesadas, não estavam presas ao piso. Com algum
esforço, Kalil conseguiu erguê-las e afastá-las, se vendo de volta à cozinha.
O sol já quase
partira. Pelas janelas, zunia um vento gelado, que carregava consigo gotículas
de chuva. Ao sair do edifício, Kalil notou que a tempestade chegava
rapidamente. Nuvens negras descortinavam-se e corriam pelos céus, como macabros
estandartes de cavalaria a caminho da batalha. O próprio som dos trovões
lembrava o tropel de milhares de cavalos armados.
Era difícil
caminhar pelo pátio de Snagov. A resistência do vento crescia a cada momento e
a chuva, intensa e de gotas finas como agulhas, fazia da própria respiração um
ato penoso. O soldado viu um dardo brilhante nos céus e, logo em seguida, o trovão
ensurdecedor fez as muralhas tremerem. Kalil supôs que um raio tivesse atingido
o lago.
O soldado se
dirigia à igreja nova. Parecia-lhe claro que Ghaji o traíra e que agora estaria
ali, saqueando o tesouro. O que viu, ao entrar no templo, só fez confirmar suas
suspeitas: o alquimista estava de costas para a porta, empunhando uma picareta
e desferindo potentes golpes contra a laje de pedra pintada, aos pés do altar.
Aquela pedra
devia ser bem espessa, pois o sábio estivera trabalhando ali todo o dia. Ao
lado do alquimista não se via mais a caixa de poções – ele trabalhava sob a luz
de tochas improvisadas –, apenas o misterioso cilindro de couro.
O guerreiro
sacou da espada e aproximou-se silenciosamente.
O estalar da
rocha partida veio ao mesmo tempo em que Kalil encostava a ponta da lâmina nas
costas do alquimista. Ao toque do aço, Ghaji automaticamente largou a
ferramenta.
– Você errou na mistura, maldito. –
disse o soldado – A fumaça não me matou.
– A intenção não era matá-lo.
– Ah, não? Bem, a sua sorte é que não gosto
de matar pelas costas.
– Escute. – havia desespero na voz de
Ghaji – Lembra do que eu lhe disse? Sobre
coisas óbvias? Lembra-se?
– Eu esqueço fácil das coisas. Bobagens
esqueço mais fácil ainda.
– Não. Eu achei que poderia fazer Drácula
nos dizer onde estava o tesouro... mas errei. Era ele quem nos queria aqui, era
ele quem controlava tudo, desde o começo... é ele que...
– Drácula? Drácula está morto, imbecil
– Não... está enganado... guerreiro...
ele... ele....
O alquimista
tremia. Sem terminar a frase, retirou um punhal do manto, virou-se e, urrando
de desespero, tentou golpear Kalil.
Foi um ataque
inepto. Antes mesmo que a faca iniciasse sua curva em direção ao peito do
soldado, a espada já havia atravessado o ventre e o tórax do erudito que, no
instante seguinte, caía ao solo, agonizando.
Kalil estava
estupefato. Ghaji não parecia ser o tipo de idiota que se acreditaria capaz de
vencer um soldado treinado do Sultão. Mais assustador, no entanto, era o
semblante do sábio – não agora, que o alquimista se esvaía em sangue, mas
instantes atrás. No lampejo de visão que o guerreiro tivera quando Ghaji se
voltara para atacá-lo, antes que os instintos forjados em batalha falassem mais
alto e o erudito terminasse empalado em aço sírio.
Kalil havia
visto um rosto branco como cera, os olhos revirados – sem íris ou pupilas – e
inchados de sangue e a língua negra. Como todo soldado envolvido no Jihad,
Kalil tinha, também, sua porção de sacerdote.
E ele sabia que sinais eram
aqueles, sabia que Ghaji morrera possuído por um Djinn, um espírito maligno.
Continua...
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A história deve estar péssima.....
A história deve estar péssima.....
Comentem, galera........
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