4 A.M.
Crianças deveriam dormir sobre uma cama, não abaixo dela.
Aos sete anos de idade, eu residia com minha família em um sobrado localizado na área suburbana da velha cidade. Lembro-me, apenas, algumas frações de memórias daquele tempo, e parte da minha juventude remanesce obscura em meu subconsciente. Recordo-me, no entanto, de uma memória em particular, responsável por assombrar-me durante o breve decorrer de minha tortuosa vida. Não tenho plena certeza se farei papel de tolo ao pronunciar as palavras com que contarei a história, pois por muito perguntava a minha querida e solitária mãe a respeito do que acontecera àquele dia, somente para receber meras respostas inconclusivas.
Tudo começara numa noite qualquer, exatamente às quatro horas da madrugada. Ouvi um súbito barulho a certa distância, que me acordara durante um repousante sono. Não ousei levantar-me da cama, porém permaneci com os olhos semiabertos, contemplando o espaço enegrecido que era o meu ermo quarto. Por cerca de um minuto jazi, emudecido, a espera de algum acontecimento revelador da causa de meu assombro, contudo nada mais se sucedera. Virei-me novamente para dormir, e eis que passei a escutar, como que em extrema cautela, alguém a girar a maçaneta de minha porta.
Não ousei me mover. Não compreendia o que estivera acontecendo, e em meu amago desejava jamais descobrir. Ouvi as dobradiças desprenderem-se do batente, enquanto que, delicadamente, em uma lentidão angustiante, percebi que a porta se movia silenciosamente. Por um momento percebi que seu movimento parara, como se somente uma pequenina fresta permanecia entreaberta. Não me virei. Persisti inerte abaixo dos lençóis, abraçando o travesseiro que se assentava em meus braços. Sentia-me aflito, pois se outrora percebia algo de errôneo em minha situação, por outro momento decidi ignorá-la, cerrando meus olhos e adormecendo novamente.
Quando acordei, deparei-me com a porta encostada. Levantei e, desconfiado, conferi-a, notando com incrédula percepção sua normalidade. De pouca coragem, não pude contar a minha mãe o que de fato acontecera, escolhendo permanecer quieto a respeito do estranho acaso noturno. O dia passara, e continuei com os crônicos afazeres de uma criança comum. Á noite, entretanto, o curioso fenômeno se repetira, e, durante as quatro horas da madrugada, acordei com o barulho, como se alguém ou algo se arrastasse sorrateiramente pelos cômodos da casa. Desta vez, reunindo alento, foquei-me fixamente para a porta, e a maçaneta girou com a mesma lentidão da noite anterior.
Após um longo e exaustivo período, a fresta da porta alargara-se, e nada mais eu via a não ser o breu da escuridão. Por assim remanesci, atento para a penumbra que se revelara, e por muito lutei contra a sonolência para não desviar meu olhar. Quando finalmente minhas pálpebras começaram a adquirir o peso da exaustão, de modo a que me preparava para fechá-las, eu o vi. Em um primeiro momento, somente enxerguei o branco de seus olhos, para então perceber as veias vermelhas de sangue e as pupilas dilatadas em razão do negrume da noite. Havia alguém ou algo ali, que me encarava atentamente e fixamente, enquanto eu fazia o mesmo. Estava tão apavorado e petrificado que mal pude emitir som algum. Tudo o que fiz foi responder a aquele olhar com semelhante contemplação.
Com medo mortal da criatura que me observava à soleira da porta, não desviei minha visão para sequer outro local, tendo por receio pensar que um perigo ainda mais mortal acometer-se-ia sobre mim. Sem saber ao certo como, por uma hora interrupta eu mantive esse infame contato, assim como a criatura prosseguira-o a fazer. Aos primeiros raios de sol a porta novamente se movera, e pude vê-la fechar-se tão docemente quando se abrira, e aqueles olhos esvanecerem, como se nunca tivessem existido. Exausto, e com menor impressão do perigo eminente, adormeci. Ao amanhecer, notei que a sensação costumeira de um ambiente nada inóspito havia retornado. Porém, por razões intuitivas, soube que aquilo não estava acabado.
Na mesma noite, preparei-me para dormir. E quando minha mãe se despedira de mim, encostando a porta do meu quarto, escapei para debaixo da cama, como que a esperar pela bizarra criatura que me visitara nas noites passadas. Após certo período, escondido, cai em sono. Mais tarde, como que através de um despertador biológico, abri meus olhos poucos minutos antes das quatro horas, e compreendi, de antemão, que a entidade desconhecida mais uma vez faria sua aparição. Nesse momento, em que me encontrava as escondidas, percebi que a maçaneta movimentava-se, e com a mesma intensidade atenuante de antes, o vão da porta se entreabria para o meu quarto.
Todavia algo de diferente acometera-se, e a criatura notara minha ausência. Escancarando a porta, percebi a silhueta da assombração adentrar-se em meu quarto. O espaço em que me encontrava era pequeno o bastante para somente abrigar-me. O passo da anomalia era pesaroso e lento, como alguém que, apesar da inquietude e aflição, buscava inutilmente ser o mais silencioso possível. Ao aproximar-se em direção à cama, notei o odor peculiar advindo de tal ser, e sentia-o revirando as cobertas e travesseiros acima, atirando-os ao chão. Assim, subitamente e inesperadamente, a aberração dera inicio a um leve soluçar, que instantemente transformara-se em um choro, para que depois disso começasse a desesperadamente marchar pelo meu quarto, bradando lúgubres murmúrios.
O barulho, no entanto, acordara minha mãe, que prontamente postou-se a me checar. Quando ela chegara de fato ao quarto, sua voz que até então clamara por meu nome, bruscamente foi interrompida, dando lugar a um grito apavorante. Eu, embaixo da cama, pude somente perceber o rápido movimento realizado pela criatura, que atravessara correndo o quarto e saltara por uma das poucas janelas. Saí de meu esconderijo, e minha mãe correra em minha direção, abraçando-me e proferindo numerosos questionamentos a respeito de como eu estava ou se algo a mais havia de fato se incidido sobre mim.
Momentos mais tarde, ao amanhecer do dia, luzes vermelhas e azuis projetavam-se através das veredas de minhas janelas, enquanto que homens fardados e de chapeis curiosos perambulavam por todos os cômodos a procura de alguma evidência. Pude escutar palavras a respeito de um homem que fugira de um hospício local, além do frágil e nervoso choro de minha mãe que parecia ecoar por entre as tênues paredes da residência. Por alguma razão, lembrei-me de meu pai, que há muito desaparecera. Em suas histórias, antes de despedir-se de mim, contara-me a respeito de um anjo protetor, que me vigiaria todas as noites, enquanto eu dormia.
Desde então, jamais tornei a passar por aquilo novamente.
Autor: Drin, L. P.
Fonte: Creepypasta Brasil Wiki
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Muito bom. No final deu a entender que poderia ser o pai da criança que provavelmente havia falecido e visitava o filho durante a noite. Muito boa mesmo.
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