Um pedido a um Djinn


- Quero voltar ao passado, especificamente no dia 12 de abril de 2004.

- Eu falei que pedidos que envolvam deslocamentos temporais ou elevações espirituais não seriam contemplados, no mais, amo, qualquer coisa que desejardes lhe será concedida.

- Não quero bens, quero desfazer algo muito ruim que fiz a mim mesmo e a outra pessoa que amo naquela data, se não for isso não quero nada.

O Djinn disfarçou a irritação, mascarando sob o avatar humano sua demoníaca face de ódio.

- Amo meu, tenho pressa e tua ocasião está por esvair-se. Veja essa ampulheta, ao fim da areia meu compromisso se esgotará.

- Eu sei que seu compromisso só se esvai com meu pedido e que está preso a minha vontade, não tente me enganar.

Agora o Djinn já não conseguia disfarçar a irritação.

- Pois então faça seu pedido, ou lhe amaldiçoarei em nome de Baal Zebou, Senhor de Canaã, que foi escravizado por Salomão e cujo ódio por vocês, desde então, cresce sem parar.

- Pois bem! Dê a minha irmã o dobro de tudo o que ela deseja hoje.

- O pedido deve ser exclusivamente para você meu amo, em seu proveito.

O Djinn estava muito irritado porque o egoísmo humano era como um alimento para sua alma errante. Esse humano estava particularmente desapegado e muito caridoso para seu gosto.

Ele havia caminhado sob a Terra desde dois mil anos antes de o homem aparecer nos bosques feito pelo Criador e até hoje nunca houvera encontrado uma alma verdadeiramente caridosa, talvez por isso se sentisse perdido e isso lhe causava profunda irritação.

Lembrou do início, de como podiam andar entre os mundos e de como desejava isso novamente para si. Apesar de se apegarem à Terra os Djinn tinham passe livre entre os mundos e podiam deleitar-se com o paraíso celestial e das canções dos Anjos quando assim quisessem.

Mas, quando o Criador apresentou aos anjos sua mais perfeita criação, Adão, Ele determinou que os Anjos se prostrassem diante dela. Muitos assim o fizeram, mas Ilbis o líder dos Djinn, se recusou a prostar-se e por conta disso ele, e seus seguidores, foram condenados a vagar pela Terra, não tendo mais como adentrar ao Paraíso.

Ilbis se tornou conhecido por Shaitan e sua história é contada no Alcorão, a versão humana narrada de sua origem:

"Criamo-vos e vos demo configuração, então dissemos aos anjos:
Prostai-vos ante Adão! E todos se prostaram, menos Ilbis, que se recusou a ser dos prostrados".
Al-A’Raf, 11-18

Com o tempo a pronúncia do seu nome se perdeu, passando a ser conhecidos como Jinn e mais tarde “Genie ou Gênio” e sobre eles foram feitas histórias que contavam sua condição na forma de metáforas.

O homem perdeu sua magia e os Djinn vagavam no esquecimento.

A ampulheta estava se esgotando…

Voltou à realidade e lembrou do homem que ali estava, abnegado e desinteressado, voltando à sua face de beleza, disse:

- Amo, peças e serás atendido. Mas se não o fizerdes serás amaldiçoado pela eternidade, condição esta que era de vossa consciência antes de ter pronunciado meu nome.

O homem pensou amargurado, o que queria desfazer não podia ser desfeito. A vergonha e a tristeza que o acompanharam nesses oito anos assim seguiriam e não havia riqueza ou bens que pudessem satisfazê-lo, que o fizessem esquecer do brutal equívoco que cometera há oito anos atrás.

Só o esquecimento parecia satisfazer. Ele não queria nada, só queria esquecer a dor, esquecer a tristeza e motivado pela sua consciência, sem pensar muito pediu:

- Quero então uma nova vida, quero esquecer todos que conheci e que todos que conheci me esqueçam.

O Djinn sorriu entre os dentes, seus olhos inteiramente negros tomaram forma castanha e humana, aos poucos sua fisionomia bizarra encontrava a forma do humano que fizera o pedido. Quando a transformação se completou o Djinn disse:

- Assim será feito.

O homem, agora um zumbi sem expressão e com os olhos negros, iniciou sua jornada sem destino que duraria até sua morte, sem nome, sem passado, sem profissão. Ele provavelmente entraria naquelas famosas listas de desaparecidos e assim permaneceria até sua derradeira viagem.

O Djinn, agora livre, iria desfrutar de quantos anos pudesse usufruir daquele corpo, já que sabia que o anel de Salomão o enviaria de volta ao limbo assim que fosse encontrado pelos seguidores do Templo de Jerusalém, que há milhares de anos vagavam pela Terra caçando e punindo os da sua espécie munidos do anel do único Rei que sobre eles teve domínio.

Andava sorrindo e pensando em como aquele homem havia sido tolo em não pedir riquezas e mulheres (a maioria pedia isso), pensando em como sua abnegação e caridade, conciliados com o peso de seu espírito e arrependimento o haviam sentenciado a vagar sem destino pelo mundo até morrer.

O homem, por sua vez, vagava como um andarilho, sorrindo e sentindo-se leve, sem saber porque mas tendo consciência que em muitos anos não se sentia assim, só sabia que, mais pesada que o vil metal é a alma atormentada…

Crédito: Kchaço

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