O homem que 'blogou' seu suicídio

O maior tabu do jornalismo mundial cai justamente com um repóter esportivo “narrando” o seu próprio suicídio em um site especificamente criado para isto. Martin Manley odiava acordar cedo, mas em seu aniversário de 60 anos ele o fez, ou provavelmente, nem foi dormir na noite anterior.


Às 5h, ele se dirigiu até o estacionamento de um posto policial no subúrbio de Kansas City, Kansas, Estados Unidos, e ligou de seu telefone celular para a polícia. “Eu quero comunicar um suicídio no extremo sul do estacionamento do Posto Policial Overland Park Police Station, entre as ruas 123 e Metcalf”. Em seguida, o blogueiro e ex-jornalista esportivo do periódico local “Kansas City Star” sacou sua pistola 380 e deu um tiro na própria cabeça...

Devido à sua profissão, Manley adorava estatísticas, de fato, o “índice de eficiência” criado por ele ainda é usado em jogos de basquete da NBA. Seguindo essa linha, os números mostram que cerca de 150 outros cidadãos dos Estados Unidos se suicidaram naquele dia, e algo em torno de 38 mil outros estadunidenses o farão ao longo deste ano ainda.

Por outro lado, nenhuma dessas 38.150 pessoas devem relatar tão especificamente sua morte, detalhando o quando, o onde, o porquê e o como de seu suicídio, da mesma forma que Manley o fez. Durate mais de um ano, o jornalista aposentado vinha trabalhado secretamente na construção de uma página na internet, com o objetivo justamente de explicar meticulosamente sua morte. Ele a configurou para que fosse publicada no dia em que ele morreu.

Seria apropriado chamar o caso de “morte no tempo do Facebook”. Em julho deste ano, no muncípio de São Mateus, no norte do Espírito Santo, uma mulher teve a casa assaltada e, durante a ação dos bandidos, foi baleada na costela. Mesmo assim, ainda teve tempo de postar uma mensagem no seu perfil do Facebook antes de falecer. “Acabei de levar um tiro aqui dentro de casa”, escreveu.

Nunca antes na história da comunicação humana a morte foi um assunto tão público, facilmente acessível às massas e que pode potencialmente durar para sempre.

“Deixe-me lhe fazer uma pergunta”, postou Manley em seu site, que foi dividido em 34 categorias e 44 subcategorias. “Depois que você morrer, você pode ser lembrado por meio de um obituário de poucas linhas, por um dia, em um jornal qualquer… ou você pode ser lembrado por anos em um site como este. Esta foi a minha escolha, e eu escolhi o óbvio”.

O site de Manley pode ser considerado único em seu alcance e tom, que poderia ser descrito, em algumas partes, como otimista. Entretanto, compartilhar a própria morte na web não é novidade. Logo nos primeiros dias da internet, já surgiram “clubes de suicidas online”, formados por sites e salas de bate-papo, em que os jovens podiam discutir sobre acabar com as próprias vidas e, em alguns casos, fazer planos para se encontrar e realizar o ato em conjunto.

Não está claro quão influentes esses grupos já foram, embora Manley tenha escrito que ele havia estudado os prós e os contras dos vários métodos de suicídio online. Em 2010, um homem japonês transmitiu ao vivo pela internet seu próprio suicídio, enforcando-se enquanto usuários de um fórum de bate-papo online alternadamente lhe pediam para procurar ajuda ou o incentivavam a se matar. A imagem mórbida do homem de 24 anos de idade, pendurado sem vida em uma haste horizontal, causou polêmica na web logo depois.

Dois anos antes, um adolescente habitante da Flórida, EUA, de forma semelhante virou uma webcam para si mesmo enquanto morria deitado na cama, depois de postar uma nota de suicídio em seu blog, na qual escreveu que tinha tomado uma overdose de drogas.

O professor de psicologia da Universidade da Carolina do Norte-Charlotte, EUA, afirma que as razões pelas quais as pessoas desejam compartilhar suas mortes na web parece ser, de certa forma, o senso comum. “Primeiro, os jovens cresceram usando as mídias sociais, de modo que para eles é apenas uma maneira natural de se comunicar com outras pessoas”, diz.

“Em segundo lugar, o fato de registrar os pensamentos nas mídias sociais pode atingir muito mais pessoas do que simplesmente deixar uma nota em papel. Por isso, talvez uma razão para deixar um ‘bilhete suicida’ nas redes sociais é fazer essa mensagem chegar ao número máximo de pessoas possível”, completa.

Aos 60 anos, Manley não era nenhum nativo digital. Porém, a internet parece ter sido perfeitamente adaptada para alguém como ele. Ele revelou passar longas horas sozinho no computador, debruçado sobre dados estatísticos esportivos e depois compartilhando suas descobertas com seus colegas de lugares distantes, igualmente interessados na minúcia de suas análises dos números em esportes.

“Eu tenho me comunicado com centenas de leitores ao longo dos anos e fiz um monte de amigos pela internet”, escreveu Manley em seu último post no blog. “Estou impressionado que realmente ainda existam pessoas inteligentes por aí, considerando o declínio nos nossos padrões educacionais”.

Sobre as razões que o levaram a se matar, Manley alegou não estar deprimido: “Quem disser isso ou é um ignorante ou um mentiroso”. Ele cantava no coro da igreja, tinha hobbies como o seu jogo de pôquer mensal e afirmou não ser solitário, além de possuir boa saúde e ser feliz. Então, qual o problema? Ele apenas decidiu que 60 anos já era velho o suficiente.

Seus anos mais produtivos haviam ficado para atrás, Manley temia a enfermidade da velhice e simplesmente queria partir no momento e da forma que ele mesmo escolhesse. “Eu não quero morrer”, escreveu. “Uma vez que a morte é inevitável, a melhor pergunta é… eu quero viver o tanto quanto é humanamente possível ou eu quero controlar o tempo e as circunstâncias da minha morte? Essa foi a minha escolha. Eu escolhi o que era mais atraente para mim”, completou.

Nos dias seguintes da sua morte, alguns outros elementos de sua vida vieram à tona. Manley foi duas vezes divorciado. Ele não tinha filhos, nem sobrinhos ou sobrinhas. Seus pais morreram: sua mãe, em 2002, seu pai, em 2007. Ele tinha uma irmã e um irmão, mas nenhum dos dois morava por perto e nem o visitavam muito. Quase todas as suas últimas fotografias mostravam Manley sozinho.

Aqueles mais próximos a Manley, porém, concordavam com tudo aquilo que o ex-repórter declarou em seus últimos momentos. “Talvez ele precisasse de ajuda, mas ele nunca teria admitido ou aceitado isso”, opina a irmã, Barbie Flick. “Sobre o fato de ele ser solitário, eu acredito que todos que conhecia Martin gostavam muito de sua companhia”.

Quando Yahoo, o site hospedeiro da página de Manley pelos últimos cinco anos, tirou o blog do ar, Flick lutou para que ele fosse restaurado, dizendo que o último desejo de seu irmão deveria ser honrado. Inúmeras versões “espelho” do site foram criadas, e você pode conferir uma delas aqui.

No fim de sua mensagem derradeira, ele diz:


“A única coisa que está passando pela minha cabeça agora é a vontade de pedir perdão, relembrando daqueles a quem eu amo. É com alegria de ser capaz de encerrar minha vida do jeito que gostaria e animado com a ideia da morte que eu deixo este site”.


“Não chorem pelo fato de eu estar morrendo sozinho. TODOS nós morremos sozinhos”.

Fonte: http://hypescience.com/

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